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"Aprendi a narrar jogando videogame": Gustavo Villani fala de papel em FIFA 21

Novo narrador da EA e especialista de localização PT-BR comentam processos, desafios e novidades do game

Por Victor Ferreira 24.08.2020 19H41

Após oito anos e dez jogos, Tiago Leifert está oficialmente fora do papel de narrador da série FIFA.

No seu lugar entra uma figura cada vez mais popular no mundo da narração esportiva brasileira: Gustavo Villani, narrador de 39 anos atualmente nos canais Globo e com passagens anteriores na Fox Sports e ESPN.

Rumores de que Villani entraria para o elenco brasileiro do jogo rolam desde 2019 (e ele explica porque abaixo), e agora o narrador finalmente pode falar sobre como foi o processo de entrar para o mundo de FIFA:

"Foram 80 sessões de gravação, 5 horas de gravação cada", disse. "Então não foi fácil, mas eu me diverti muito e acho que a importância do jogo é imensa."

À convite da Electronic Arts, The Enemy conversou com Villani e Daniel Perassolli, especialista em Português do Brasil na equipe de localização da EA, para saber mais de como foi este processo, o papel do próprio Leifert nesta transição, os desafios, as novidades e a inclusão inédita de um repórter no jogo.

Confira o bate-papo abaixo!

The Enemy: Como foi o processo de entrar para o FIFA 21?

Gustavo Villani: Um dia toca o meu telefone, e não tinha [o nome] no identificador.

"Alô?"

"Guga, é o Tiago Leifert!"

E eu - Ué? Nunca falei com o Tiago por telefone antes. E ele falou: "Cara, vou ser muito sucinto e direto: você gostaria de algum dia narrar o FIFA?"

Eu falei "Claro!". Poxa, eu jogava FIFA em casa me divertindo, brincando, antes de me imaginar narrador - já faz 10 anos que eu narro, desde que eu saí da função de reportagem pra passar a ser narrador.

Foi uma surpresa muito grande, e ele falou: "Bom, então espera aí que nos próximos dias alguém vai te ligar."

Começou assim: com o Tiago que decidiu sair do jogo. São oito anos, dez edições; a filha primogênita, a Lua, vai nascer; BBB; The Voice; enfim - ele gravava as atualizações durante as férias.

E mesmo com muita aprovação - eu não vou falar nada, Dani, juro, prometo. Tem uma telemetria com uns números oficiais que eu sei, mas prometi que não ia falar!

Daniel Perassolli: [Ri]

Gustavo Villani: Mas enfim, o Tiago e o Caio [Ribeiro] fazem uma dupla muito aprovada na narração em português. Então minha responsabilidade é muito grande, meu sarrafo é muito alto.

Começou com o Tiago. A EA chegou até mim por pesquisa de público, por querer manter um perfil jovem. Eu acho que me encaixo nessas situações: tenho pouca idade, [grande] alcance - até em função das transmissões para milhões de pessoas que a gente faz na televisão - e mantenho a linguagem, falando para todos os públicos, mas mantendo um perfil de uma narração jovem, mais voltada pro entretenimento do que uma transmissão nervosa de TV em que eu tenho que ficar equilibrando emoções com o time perdedor ou o torcedor perdedor.

No videogame eu não tenho tanto este filtro.

De lá para cá até acertar tudo, foram dois anos com cláusula de confidencialidade sem poder dividir com todo mundo - E eu queria gritar pro mundo! O FIFA pra mim é algo transformador, que vai me colocar em contato com um público de todas as idades mas pra mim, estrategicamente, é muito importante falar com o público jovem, que vai me acompanhar por muitos anos.

Electronic Arts/Reprodução

Eu estou entre os narradores mais novos - se não o mais novo - na TV, então é muito importante semear, trazer comigo este público ao fazer esta tabelinha de TV e videogame.

Foram 80 sessões de gravação, 5 horas de gravação cada e intervalos a cada hora, hora e dez [minutos] pra eu poder descansar. Deram exatamente 366 horas de gravação entre os meus jogos na televisão, programas, viagens, hotel, aeroporto, enfim...

E teve o nascimento da minha filha. Minha mulher estava grávida e a Isabela nasceu neste período. Então não foi fácil, mas eu me diverti muito mais e acho que a importância do jogo é imensa.

Estou muito feliz pela passagem de bastão do Tiago. O Tiago foi muito digno comigo desde essa ligação até o anúncio oficial. O Caio fica, um grande parceiro e amigo do Tiago, e é um cara super fácil de lidar e trabalhar. A gente já se conhece das transmissões há dois anos e meio desde que eu cheguei aos canais Globo, e mantemos uma atmosfera e ambiente sensacional com a equipe de gravação.

The Enemy: Havia rumores de que você assumiria a narração já no ano passado, com o FIFA 20. De onde eles surgiram?

Gustavo Villani: Eu te explico: o boca de graxa do Ivan Moré - eu sou padrinho da filha dele, tenho total liberdade pra falar isso dele [Rindo]. Ele foi gravar um podcast e disse que eu estava encantado por fazer jogos eletrônicos.

Graças a Deus ele não citou especificamente o FIFA, mas as pessoas fazem conta porque o FIFA 20 estava para ser lançado.

Inclusive alguns repórteres me ligavam e falavam: "Eu tô sabendo que você vai fazer o FIFA 20". E eu respondia: "Não, você tá enganado. Sua informação é falsa". Eu podia omitir, mas não podia mentir!

Foi um sufoco porque havia toda uma estratégia de lançamento, de equipe de marketing do México esperando o momento certo de anunciar - mas é tudo culpa do maldito Ivan Moré [rindo].

Daniel Perassolli: Do nosso lado isso foi algo que fez muita diferença, da forma com que o Tiago saiu. Sabe essa ligação que o Guga recebeu? Eu recebi um mês antes! Eu tava andando aqui por Madri e ele me ligou e falou: "Dani, tô fora. Melhor eu parar."

Eu respondi: "Você tá louco? Tá tudo bem!". A gente tinha índices de aprovação super legais.

"Justamente porque tá tudo bem. Depois de oito anos, são dez jogos... Acho que tá na hora de outra pessoa assumir."

Electronic Arts/Divulgação

Por ter avisado - a relação dele com a Electronic Arts sempre foi sensacional - ele ficou mais um ano, a gente conversou para a gente ter o tempo de se preparar para alguém ficar no lugar dele.

Ele fez o FIFA 20 já sabendo disso. A sugestão do Guga foi dele - e lógico que sabíamos da aprovação do público, tínhamos uma pesquisa de quem poderia substituí-lo -, mas ele fez o FIFA 20 já sabendo que o Guga assumiria no FIFA 21.

E como foi dito, a transição foi super suave. [O Tiago] deu dicas pro Gustavo, eles se conversam até hoje - até dicas de contrato, já que a empresa está nos EUA e ele tem que cobrar no Brasil...

Esta parceria com o Tiago até o último dia foi muito importante para termos tido o tempo para gravar estas 67 mil linhas com o Guga e o Caio - porque as linhas do Caio também são todas refeitas, não aproveitamos nada do que tinha antes. Óbvio, já que o jeito do Caio narrar com o Tiago é um, e o jeito de ele narrar com o Guga é outro.

Então esta saída de boa do Tiago ajudou muito o Guga a ter estes dois anos para se preparar e gravar tudo certinho do jeito que a gente esperava para manter a qualidade.

The Enemy: Como o trabalho de localização foi adaptado com a mudança de narradores?

Daniel Perassolli: Foi um trabalho diferente do que fizemos com Tiago - bem diferente.

O FIFA é o único jogo da Electronic Arts em que temos a liberdade de desconsiderar o inglês. A gente não traduz nenhuma linha. A gente produz o conteúdo - temos uma equipe de roteiristas aqui em Madri - especificamente para os narradores que temos.

Então com o Tiago a nossa primeira reunião foi: "Quem vai ser o Tiago narrador?". Porque ele não trabalhava na TV - óbvio, trabalhava, mas não com transmissão de futebol -, então com o Tiago foi criar um estilo de narrador para ele.

O Guga veio pronto. Com todo o sucesso que ele tem na TV, o nosso desafio era diferente, de como fazer o Gustavo Villani narrador de TV ser o Gustavo Villani narrador de FIFA.

Então durante todos estes meses de preparação a gente acompanhou tudo o que ele fazia na TV, transcrevia tudo o que falava - fizemos decupagem de vários jogos que ele transmitiu - e daí com a equipe de roteiristas fomos encaixando os pedacinhos do que ele fala na TV com o que sabemos que ia funcionar no FIFA.

Assim, nosso trabalho na equipe de localização foi de adaptar o que o Gustavo faz na TV pra funcionar no FIFA. Uma preocupação muito grande é esta - uma pessoa não pode chegar e falar: "Eu adoro o Gustavo na TV, mas a narração do FIFA é um robô falando, tá mecânica."

Quem jogar o FIFA 21 vai ver o Gustavo da TV - um pouco mais solto, mais descontraído por ter esta liberdade (dentro de alguns limites) de dar a cara dele pro texto que tá lendo.

Queríamos o Gustavo da TV no FIFA 21 e conseguimos fazer isso porque ele parecia veterano. Ele chegou no estúdio no primeiro dia e conseguiu fazer muito bem.

Electronic Arts/Reprodução

The Enemy: Quais foram as vantagens e desafios de fazer esta narração virtual?

Gustavo Villani: Era muito desgastante - e vai ser, porque vamos atualizar o jogo nas próximas edições pro FIFA 22 e 23, enfim - porque são dois exercícios: o físico e o mental.

Quando eu pegava uma sessão de gols eu gravava 20, 30 gols. Em nenhuma transmissão de televisão eu grito 30 gols. E eu não podia baixar a guarda pra eles - o cara que sabe o jeito que eu vibro, inclusive rachando a voz com as técnicas de narração na TV, e não pode achar que eu tenho preguiça no jogo, então eu tinha que me defender.

Eu narrava 20, 30 gols. E saía com a língua parecendo uma gravata de cansaço físico. Além do mental, porque eu só tenho o contexto e a linha. Eu posso improvisar, colocar meu estilo e bordões - que vão todos comigo: "Joga a luva, goleirão", "É gol de videogame", "Tá com frio? Pega esse lençol!", "Não vende garfo que hoje é dia de sopa", enfim...

Mas eu tinha que imaginar. Eu não tenho a imagem como tinha no rádio ou na televisão. Eu tinha que me transportar, imaginar. Consigo fazer isso pra você rapidinho aqui, em um lance, mas imagina em 5 horas de gravação, e com todas as situações de jogo: arremesso lateral, tiro de meta, bola na trave, gol de fora da área, gol de cabeça, etc.

Não era um desafio sob o ponto de vista de que eu já narrei, pelo menos um dia, todas estas situações de jogo. Eu consigo alcançar, imaginar como fiz isso vez ou outra. Mas era muito tempo, muito tempo de gravação, então era um cansaço mental e físico.

Além do que eu disse: as gravações eram encaixadas em meio às minhas transmissões e aos meus programas na televisão, meus compromissos na TV. Por isso, por exemplo, eu não podia perder a voz. Quando eu tava no limite, arranhando a garganta, eu levantava a mão [e falava] "Preciso parar hoje. Vamos continuar amanhã ou na próxima."

Era um equilibra-prato sem fim, mas foi muito prazeroso, já que como eu já narrei todas as situações do FIFA na vida real não tive nenhuma surpresa - ou tive, mas muito pouco.

É uma diferença com o Tiago: o Tiago é um grande comunicador, um grande gamer. Então ele conseguia trazer comandos do jogo pra narração, que é algo que eu não tenho, sou um pereba. Já joguei - aprendi a narrar jogando videogame também, além de botão etc. e tal -, mas sou um narrador, eu não consigo fazer essas brincadeiras.

Não acho que perde ou ganha, não tem melhor ou pior. Temos agora uma narração diferente em relação ao que vinha sendo feito com o Tiago.

Daniel Perassolli: E isso tudo sendo que a gente fica tesourando a imaginação dele! Porque ele tem que imaginar, mas - como expliquei - sem sair dos limites.

Lembro até hoje de uma das primeiras sessões que ele fez, em que era gol do Messi. Na cabeça do Guga já veio aquele golaço em que ele driblou todo mundo do Athletic Bilbao, driblou o goleiro e fez o gol.

Daí era: "Golaço do Mes-"

"Não, Guga, este não. Este pode ter sido um gol de canela do Messi". Lógico que vai ter o golaço do Messi em outro contexto. Então ele tinha que imaginar, mas ao mesmo tempo um pouco tesourado pelo contexto do que o jogo pediria naquele momento.

E ele conseguiu. Ao longo do tempo já fazia sozinho, foi se autodirigindo.

The Enemy: Daniel, o que mudou em todos estes anos com a localização de FIFA?

Daniel Perassolli: Eu estou há 15 anos aqui mas é porque comecei com 10 [Rindo]. Tô com 25 anos agora, jogo FIFA desde criancinha e isso não entrega minha idade de jeito nenhum!

Cara, o jogo evoluiu muito. Você pega a quantidade de contexto que a gente tem [agora] - porque [no passado] às vezes saía um escanteio e era "Escanteio para o Manchester City" e só isso.

Agora o software do jogo evoluiu tanto que nos dá a possibilidade de deixar mais detalhado. Agora temos: "Escanteio do Manchester City. Tá 0 a 0, é a final da Champions. Bola na área e pode ser o gol do título!"

Então a complexidade do áudio mudou muito - evoluiu muito pro bem. E com a chegada do Guga isso é legal porque é o "gol de videogame" mesmo! A gente tinha uma junção com o Tiago porque ele era gamer, mas o Guga sempre teve popularidade com o público do FIFA por isso, por ele falar de videogame nas transmissões da TV.

O que eu diria mais: o estilo tem que respeitar o que o público quer e a narração tem que evoluir junto com o jogo. Porque temos mais modos de jogo, regras alternativas do FIFA - o Guga narra coisas específicas como "De fora vale dois!" -, a gente não tinha isso quando começou a localizar o FIFA em 99.

Hoje em dia o Guga grita: "Esse valeu dois! Parece basquete!". Então conforme o FIFA fica mais complexo, a complexidade da narração tem que evoluir também.

E como comparação, o Tiago no primeiro ano dele - no FIFA 13, se a memória não falha - ele gravou 15 mil arquivos. Este ano já foram 67 mil para começar, então veja a quantidade de contextos diferentes, coisas diferentes que saem quando o pessoal tá jogando.

The Enemy: E qual vai ser o papel do novo repórter de campo no Brasil?

Daniel Perassolli: Sobre o repórter, ele é de estúdio, não de campo. O inglês é o único idioma que tem a figura do cara dizendo: "Tem um jogador aqui aquecendo."

O André Sauer, dublador, é o repórter de estúdio, e fica lá no estúdio virtual da EA e interage com o Gustavo dando os resultados - é a bolinha da Globo.

Por exemplo, saiu um gol no Santiago Bernabéu. Daí ele fala: "Real Madrid contra Barcelona, é o segundo do Real Madrid, está 2 a 0 aos 15 minutos do segundo tempo". É este o trabalho que, quando você estiver jogando o Modo Carreira, é muito legal, porque às vezes você está dependendo do resultado de outro jogo, e o FIFA normalmente informa no intervalo.

Agora enquanto você joga, já sabe o que está acontecendo. Então tem até [contextos] como "Ah, este resultado não vai servir mais pra eles serem campeões". O Gustavo consegue interagir com o André no estúdio atualizando as informações do que está acontecendo na rodada.

The Enemy: O Tiago Leifert falava muito sobre questões e problemas de pronúncia com nomes estrangeiros dos vários campeonatos pelo mundo. Você passou por algo semelhante?

Gustavo Villani: Vou contar uma historinha para responder esta pergunta: eu tava na Alemanha na Copa de 2006 como repórter da TV Record, e fui no centro de imprensa de Munique pra passar a pronúncia dos jogadores da França - porque às vezes a sílaba tônica fica no final, às vezes no meio do nome e tal...

E batendo um papo com um repórter, ele começou a falar do "Rái", do "Ronaldinhô" - ele não acertava um nome! E foi ele que me perguntou "Por que você [faz isso]?", e eu caí no ridículo! Com a pergunta dele eu falei "Poxa, a gente tem uma preocupação tão grande de falar certo..."

É claro que eu tenho dificuldade com nomes poloneses, que tem mais consoantes do que vogal. Então a não ser os nomes consagrados que estão na Bundesliga, Premier League, Série A - que estão rodando nos nossos ouvidos com as mais diferentes emissoras cobrindo estes campeonatos -, estes eu tenho naturalmente que me preocupar.

Agora se escapar uma pronúncia certa ou errada... É difícil mesmo, porque o português tem uma fonética que nos permite (com habilidade) falar diferentes idiomas. As línguas latinas, naturalmente, e o inglês, por exemplo. A gente tem muito mais alcance para falar o inglês do que o japonês, sem preconceitos.

Então eu acho que tive as mesmas dificuldades que o Tiago, e isso não me aborrece. Eu não ligo de errar o nome da revelação da Polônia. Sinceramente, não acho isso elementar.

Mas é uma preocupação típica nossa. Nós brasileiros temos um perfeccionismo que nenhum outro lugar do mundo se vê.